Cap. Enéas e a fundação de Burarama

A decisão definitiva de mudar-se para a beira do Rio Verde, no Sapé, meio de mundo cercado, de matas compradas do Dr. Marcianinho, foi tomada em Belo Horizonte. Era uma decisão bem desenhada de sonhos, cheia de cuidados com um cheiro romântico e premeditado de aventuras na densa floresta e nos macios carinhos da mulher mais linda do mundo, que o capitão Enéas Mineiro de Souza acabara de conquistar depois de seis meses de investidas. Maria Aparecida, Neném, maravilha de vinte anos, morena clara, olhos castanhos da cor de uma noite de Caruaru, pele nova e aveludada de doce mangaba, falava com uma musicalidade que só uma fada poderia ter, tudo e muito mais do que o pernambucano pedia a Deus. Era o que Enéas sempre sonhara em todas as horas fáceis e difíceis da vida. Estava decidido, e esta decisão jurada no apartamento novinho do Brasil Palace, de frente para a avenida, não podia vir em hora melhor. Neném não aceitava de modo nenhum morar com ele em Montes Claros, e em Belo Horizonte ele não podia ficar por causa dos negócios aqui na região Norte. O Sapé era uma vilazinha velha, sem conforto, feinha até, mas nada importava, porque ao lado de Neném ele haveria de criar uma cidade nova, novinha, onde ela fosse até mais do que uma rainha. Quem vivesse ou sobrevivesse, veria!

Neném ficou em Belo Horizonte duas semanas para dar tempo ao tempo, indo depois para mais uns quinze dias na casa de D. Altina, no Alto São João, em Montes Claros. Foi o prazo para Enéas comprar pneus novos para os caminhões, ajeitar alguma coisa nos motores, aprontar as ferramentas e ensacar o que comer e pegar a gasolina tão difícil na época. Antônio Miguel, Mestre Severino, Epifânio e José Porfírio, além dos motoristas a postos, só esperavam a ordem de viajar. Foi uma dura travessia de muito esforço e suor, principalmente depois de Brejo das Almas, em estradas feitas para animais e quando muito para carroções e carros de bois. As enxadas e os enxadões, as picaretas e alavancas não pararam tempo nenhum pela tarefa de derrubar barrancos e tapar buracos, acertando aqui e ali, empurrando pedras nos carreiros das rodas dentro dos rios e córregos. Dos lados da mataria densa, com cheiro de terra molhada, a natureza espocava em flores e sons, numa alegria depois de chuva rara. Chegaram ao Sapé, afinal, na madrugada do dia 20 de janeiro, ano de guerra de 1942, depois de quase meia semana de pelejas. Foi um sono só para todos nos catres sem conforto da casa já alugada, por carta, a D. Antônia, mãe de Elpídio da Rocha.
Instalada com a consciência de quem veio para ficar, Neném era, a seu ver, a mais jovem e mais bonita dona de pensão de todo o sertão brasileiro, competente, decidida, a gerir uma casa grande, bem assoalhada e de paredes brancas, logo mais uma hospedaria para doutores da estrada-de-ferro em construção, entre eles os engenheiros Demóstenes Rockert, Novais, Laviola, e os médicos Eduardo Morgado e Darce, todos gente de maior simpatia. Para cumprir as exigências dela e salvar as aparências, Enéas Mineiro de Souza, capitão da Polícia de Pernambuco, era apenas um hóspede a mais, empreiteiro de muitos serviços, desmatador chefe. Nada além disso, pelo menos durante o dia e até a hora em que todos iam dormir... Com as duas empregadas que Neném trouxera de Montes Claros, tudo espelhava limpeza e arrumação, já com luz elétrica e água encanada, providenciadas para o maior conforto de todos.

No mesmo dia 20 de janeiro de 1942, voltando pela velha estrada, Antônio Miguel e o capitão, no meio da esplanada de nunca acabar, capaz de abrigar dois milhões de habitantes se tanto fosse preciso, escolheram um pé de tingui bem copado para localização da primeira barraca do acampamento inicial. A idéia era colocar aquela mataria toda no chão e sobre as bancadas das serras, começando logo uma frente de serviço, tão comum em suas vidas... Era como se ali estivesse começando a história do mundo. E ainda bem, porque, um quilômetro abaixo, em casa, Enéas tinha uma mulher que valia por todas as minas de ouro da terra. Na coragem dos seus companheiros e na sua vontade e determinação de vencer, apareciam os primeiros toques para a existência da fazenda Burarama, de cujas avenidas e praças ele daria mais tarde a formação da futura cidade que, depois de sua morte, receberia o seu nome: Capitão Enéas.

Poderia haver momento mais feliz? Impossível!

Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros