Meu amigo Padre Murta

A primeira vez que vi o Padre Murta foi no sobradão da Rua Coronel Celestino, corredores da Faculdade de Filosofia, em noite de muita movimentação e barulho por ser início de ano letivo. Ele andava e conversava, olhava diretamente nos olhos dos colegas e batia-lhes nas costas, nos ombros e nas cabeças, em carinhosos gestos de coleguismo e amizade. Com os professores, um sorriso amigo, cumprimentos e até abraços. Parecia que conhecia a todos, de todos fosse um velho camarada, um companheiro de anos e anos de lealdade. O Padre Adherbal Murta estava chegando para ser aluno do curso de Pedagogia, mais um calouro da nossa querida Fafil. Um dos melhores ou o melhor que passou por lá.

Alguns anos mais tarde, tenho a honra de receber Padre Murta como confrade da Academia Montesclarense de Letras. Foram momentos de inusitado deleite intelectual, com discurso erudito e importante, pleno de sabedoria de um dos homens mais cultos deste País e do mundo. De formação humanística da maior e melhor qualidade, ele foi sempre um clássico por excelência, conhecedor de pleno domínio do latim e do grego como poucos ainda podem saber. A Eneida, de Vergílio, para ele, era texto do dia-a-dia, pronto para recitá-lo a quem pudesse interessar, na mais perfeita memória, de cor e na ponta da língua, fosse num salão, fosse durante uma viagem. Padre Murta dominava a lógica, a teologia, a história, a filosofia, a pedagogia, o mais vasto universo de cultura e conhecimentos. Não foi sem motivo que passou brilhantemente por tão importantes centros de cultura no Brasil e na Europa.

Mais tarde, vejo-me seu padrinho no Rotary Club de Montes Claros-Norte, noite de muita emoção para todos os mais de cinqüenta companheiros. Tive a honra de colocar em sua lapela o distintivo de uma das mais importantes organizações do mundo atual, com certeza a mais prestigiada pelo trabalho internacional de erradicação da pólio, pelos intercâmbios de cultura, pelos serviços comunitários em 185 países. Em dezembro de 2006, foi Padre Murta um dos primeiros que convidei para participar da fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros quando, pela nossa mútua confiança, aceitou na hora, escolhendo como patrono Waldemar Versiani dos Anjos. Na noite de inauguração, era ele um dos mais entusiasmados e conscientes do dever de fazer e registrar a história.

Onde estivesse – no púlpito, na cátedra universitária ou de qualquer escola, na tribuna acadêmica, em qualquer encontro de amigos – Padre Murta sempre mostrava a que veio em passagem pela vida: sua oratória era realmente brilhante, com uma capacidade de amar o próximo em verdadeiro marco de grandeza. Seu dinamismo e capacidade de trabalho sempre encantaram a todos. O Criador concedeu ao Padre Murta qualidades – que eu creio ele nem pediu tantas. Sobrou-lhe, acima de tudo, talento e simpatia, fé nos destinos da humanidade.

Agradeço muitíssimo a Deus por ter sido contemporâneo dele, por ter convivido muito com ele. Sinto, porém, por demais, estar escrevendo esta crônica com os verbos no passado. São muitas as lágrimas, muitas, fruto de uma imensa e amiga saudade!