O jeito de ver as coisas

Wanderlino Arruda

Dizer é uma coisa, como dizer é outra muito diferente. Questão de estilo, jeito de falar, resultado da cultura ou da personalidade de cada pessoa. Há os que já nascem sérios, que falam como se estivessem sempre em dia de festa, aquele puxar de língua de reunião oficial frente a sisudas autoridades. Há os que sabem temperar e conversam ou desconversam no meio termo, saindo-se bem em todas as ocasiões. Mas há também os mais imaginativos, que em tudo põem graça, descobrem, ninguém sabe onde, um ângulo interessante e provocador de risos. Para todos o mundo tem lugar, haverá sempre uma hora mais adequada de ouvi-los e dar importância ao que dizem.

Para dizer hoje dos que ganham a vida com uma imponderável leveza de ser, dos que constroem alegria e despertam admiração, uso um velho livro de Leon Eliachar, um dos bons humoristas que este Brasil já teve, aproveitando frases inteligentes e de uma felicidade que raramente o pensamento humano consegue ter. O livro é o HOMEM AO ZERO, edição nem mais sei de quando e de que editora, mas gostosíssimo em toda a sua concepção. Só os títulos já mereceriam incondicional aplauso, por exemplo: “O pior espectador é aquele que quer ver”, “Aulas práticas, para alunos teóricos”, “Piadas curtas para inteligências longas”, Histórias reais quase fictícias”. Etc.
Veja os anúncios: “Ocasião – vende-se um metro pelo preço de oitenta centímetros”, “Vende-se um segredo de cofre quem conseguir abrir o cofre, porque o dono não consegue”, “Vende-se um táxi com apenas cinco postes de uso”, “Vende-se uma tranca de direção tão boa que os ladrões levaram o carro, mas não conseguiram levar a tranca”, “Vende-se um véu de noiva que nunca foi usado, nem o véu nem a noiva”, “Vende-se um colchão de casal gasto de um lado só”, “Vendo a minha consciência mas o preço quem faz é a sua”, “Dá-se chance a uma secretária que dê chance”.

Em trechos mais alongados: “A humanidade divide o seu tempo em duas partes: guerra e paz. Durante a paz, vive discutindo a guerra e durante a guerra vive implorando a paz. A guerra foi inventada por um sujeito que morreu nela. A paz ainda não foi inventada”. “A imprensa foi feita para orientar opinião pública, mas, em verdade, é a opinião pública que orienta a imprensa. Suas duas grandes forças são o crime e a política: a política é feita criminosamente e o crime não passa de política pra vender jornal”. “A democracia é essa forma de governo onde todos concordam em discordar um do outro, mas não convém discordar muito, senão acaba a democracia. Há duas espécies de democracia: a primeira e a segunda. A primeira ninguém pode explicar porque a segunda não deixa.”
Melhor, porém, é uma descrição de uma criança de dez anos com o título “O pássaro e a fera”. Coisa de se encantar. Espero que você leitor/a, concorde com o que foi dito. Eis:
“Eu vou escrever a respeito de um pássaro que se chama coruja. A coruja não enxerga de dia e de noite é cega que nem um morcego. Eu não sei muitas coisas sobre a coruja, por isso vou falar sobre a fera que eu escolhi. É a vaca. A vaca é um mamífero. Ela tem seis lados: direito, esquerdo, em cima e em baixo. Atrás dela tem um rabo com uma escova na pontinha. Serve pra espanar os mosquitos pra não caírem no leite. A cabeça serve pros chifres crescerem nela e pra ter um lugar pra boca. Os chifres servem pra espetar e a boca pra mugir. O leite fica pendurado em baixo da vaca. Está prontinho pra ser tirado. Quando uma pessoa puxa, o leite sai e não acaba nunca. Como a vaca consegue isso eu ainda não consegui descobrir mais sai cada vez mais. A vaca tem um jeito danado pra cheirar. A gente sente o cheiro de longe. Por isso é que o ar do campo é fresco. O marido da vaca é o boi. O boi não é um mamífero. A vaca não come muito, mas o que ela come, come duas vezes, de modo que tem o suficiente. Quando ela está com fome, a vaca muge, e quando não diz nada é porque dentro dela está cheio de grama”.
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Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros