Sobretudo palavras

Wanderlino Arruda

Existe na cidade de São Paulo um cursinho de língua portuguesa destinado ao ensino de redação que dá, como único meio de aprendizagem, a contínua produção de poesias. Só poesias e nada mais, poemas sobre poemas, estrofes e mais estrofes de versos possíveis e impossíveis, com métrica e sem métrica. O universo de cada aluno é o eterno versejar, uma poetização do mundo e da vida, existam ou não existam vocações autênticas. Ninguém tem direito de não ser artista ou de não ter inspiração momentânea. Aquela estória de que aluno é o único redator que ter de escrever na hora em que não quer e sobre o tema que não pode escolher.

E por que o cursinho de São Paulo escolheu tão gostosa e musical forma de ensinar o processo de comunicação em língua pátria? Onde a vantagem da busca de rimas, da medida de sílabas, do procura-que-procura o balanço dos sons? Isso resolve alguma coisa ou revoluciona o ensino? O que o noticiário diz é que os alunos estão surpreendentemente satisfeitos e até, segundo demonstram, mais inteligentes a cada dia que passa. Dois motivos levam a isso: vêem-se na obrigação de raciocinar em tempo integral e passam a valorizar muito mais a grafia, a sonoridade e o valor do significado de cada palavra, de cada vocábulo grande ou pequeno. Substantivos, adjetivos, advérbios, verbos com seus tempos e modos, números e pessoas, transformam-se em suave material de construção lingüística, tudo uma graça!

Já imaginou como o mundo seria bonito e tão interessante se todas as pessoas se transformassem, de uma hora para outra, em dedicados menestréis, em declamadores, em jograis, em poetas? Já pensou se cada pessoa feia ou bonita, inteligente ou burrinha, se visse assim-assim no papel de musa inspiradora, foco da musicalidade da última flor do Lácio inculta e bela ou de outra língua qualquer?

Já imaginou como o mundo seria bonito e tão interessante se todas as pessoas se transformassem, de uma hora para outra, em dedicados menestréis, em declamadores, em jograis, em poetas? Já pensou se cada pessoas feia ou bonita, inteligente ou burrinha, se visse assim-assim no papel de musa inspiradora, foco da musicalidade da última flor do Lácio inculta e bela ou de outra língua qualquer?

Outra luz iluminaria o amor e a amizade, outros cantares fariam da natureza o cântico da imaginação! Aí a palavra reinaria absoluta e os dicionários seriam os livros mais importantes de todas as estantes e gavetas, de todas as bolsas de estudantes daqui e de alhures. Mais do que nunca a palavra seria realmente uma entidade viva e palpitante.

Fico pensando que essa idéia dos professores paulistas deveria ser imitada urgentemente, como se faz naqueles projetos de esforço concentrado que os nossos deputados e senadores aprovam madrugadas adentro para não deixar para outro dia. Vencedora a palavra, amanhã os nossos valores seriam outros. Trabalho, competência, idéia, talento, amor, luta, democracia, honestidade, gente, fé, informação, povo, paz, arte, livro, liberdade, imprensa, fraternidade, justiça, esperança cultura, todo o universo de vocábulos seria a argamassa para a construção da vida.