Você é de classe média?

Tenho um amigo que nunca admitiu ser pobre ou da classe média, sempre se disse rico, desdes os velhos tempos de balconista da Casa Luso-Brasileira. É o Adauto Freire, que também passou pelo Banco Hipotecário, pelo Banco do Estado de São Paulo, de há muito no Banco do Brasil. O Adauto, quando precisava procurar um Banco qualquer para um empréstimo, vestia a melhor roupa, normalmente com "esse-cento-e-vinte" ou um "aurora", punha gravata duplex, sapatos de cromo, e lá ia bem barbeado, espelhando boa situação, uma riqueza sem igual. Dizia ele que gerente nenhum gosta de gente pobre, com ar triste de precisão, língua de fora, afobado, cara-de-quem-pediu-e-não-ganhou. Gerente de banco é doido, doidão com clientes ricos, bem apessoados, com jeito de quem é dono do mundo, derramando prosperidade. Era só ir com onde de grã-fino e arranjar dinheiro, às vezes apenas com um avalista. Não foi uma vez nem duas que o Adauto arrancou dinheiro fácil dos gerentes Armando e Calixto, no Banco do Comércio, de João Damásio, no Bancominas, de Chico Pires, na Caixa Federal, de Meinardo, na Minascaixa, até de Cursino, no Banco do Brasil, e Waldemar Heyden, no Nordeste. Era um sucesso! Bem diferente do que acontecia comigo, com o Tereziano Dupin, com o Juarez Antunes, como Fulgêncio, com tantos outros que vestiam espelhando a realidade, falavam como se daquela conversa dependesse a salvação do mundo. Para o Adauto, tudo; para nós, quase nada! Só depois que o Teresiano descobriu que chamando o Chico de doutor, tudo ficou mais fácil e conseguimos vantagens sobre o Adauto, pelo menos por algum prazo, até que ele aliasse a riqueza aparente à diplomacia! Penso hoje em como tudo mudou, até quando o próprio Adauto já acha que o melhor mesmo é ser classe média, muito embora diz ele que ser rico é alguém estar satisfeito com o que tem. Já não se faz mais tanta força para aparentar riqueza, todos já se satisfazem com o trivial, deixando as exibições apenas para os "nouveaux-riches", deslumbrados da vida. A virtude acabou ficando no ponto do fiel da balança: nem miséria, nem riqueza. A classe média passou a dominar, e dominar firme, sem concessões. Agora, todos os controles, toda a rigidez no planejamento das depesas, a moderação constante, a passagem longe das gerências de bancos, a distância das carteiras de empréstimo. Pagar juros, a última coisa! Cada um tem que viver como pode, abaixo a ostentação! Chego ao fim do meu espaço e acabo não falando o que queria sobre a classe média, isto é, descendo a detalhes de como enfrentar a crise, como fazer ginástica para sobreviver. Deixo para outro domingo, guardo as minhas anotações, as minhas receitas de solução, que ninguém perde por esperar. Até a volta ao assunto, quem quiser conselhos, não peça ao Adauto, que ele não gosta de coisas tristes. Afinal, para que um RICO falar de economias?