Crônica

Wanderlino Arruda

É muito comum encontrar amigos que me dizem ter lido as minhas crônicas publicadas aos domingos. Mais comum ainda os que falam da leitura de meus artigos... D. Lisbela Alcântara, velha companheira de acompanhamento de tudo que se escreve, leitora infatigável de todos os dias, sempre se refere, pelo telefone ou quando raramente nos encontramos, às minhas CRÔNICAS. Isto mesmo: CRÔNICAS, pequeno relato assinalado ou não pelo temporal, pedaço de fugacidade de testemunho de algo que foi ouvido, visto, ou teve a participação do redator. Alguma coisa presenciada ou vivida, alguém que marcou ou marca nosso raciocínio ou nosso sentimento; acontecimento, de alguma forma, percebido pelos nossos olhos físicos ou espirituais; vivências, lembranças, experiências...

Já na escola, quando o estudante inicia o exercício de redação ou composição, como os professores costuma chamar, aparece inevitavelmente uma confusa divisória sobre o que seja um determinado tipo de escrito: narrativa, descrição, ou algo misto, um pouco de um, ou pouco de outro? No caso de publicação, onde a fronteira entre o artigo e a crônica, ente a crônica e o conto? Personagens todos têm, descrições todos apresentam, narrações quase sempre. Ponto de vista do autor, intimismo, ideologia, indiferença ou interesse pessoal, tudo é possível e alguma posição momentânea até necessária para dar maior tempero ao assunto. O que é diferente de tudo é o editorial, porque este é opinião do jornal ou da revista, ou até mesmo do rádio e da televisão. Também diferente é a notícia, esta imparcial, pouco adjetivada, talvez até fria, sempre direta, descritiva, sem omissão de nenhum dado importante. Notícia com opinião não é bem notícia, é facciosismo.

E a crônica, crônica mesmo? Tem ela qualidade de literariedade? Pode ser um gênero definido? Vale como informativo histórico quando se refere a fatos acontecidos ou quando trata de personagens reais? Ou, quando ficção, despretenciosa, simples passa-tempo, valerá apenas como amenidade, leitura de lazer? Muito tem sido discutido sobre a crônica, principalmente como sua validade literária. Por que a crônica é sempre mais de jornal? Talvez! Todos temos uma idéia falsa ou verdadeira de que o que é escrito para jornal é escrito muito depressa, sem amadurecimento. E, por isso, achamos que só o que se faz pensadamente, devagar, bem digerido, pode ser literatura, tenha condições de literariedade, pendendo entre o ambíguo e o artístico.

De uma coisa eu sei: há diferença entre o que escrevemos na escola, como simples exercício, e o que escrevemos para ser lido em letras redondas da imprensa, publicado e multiplicado aos milhares de cópias, para milhares de prováveis leitores. O que é do jornal ou da revista exige mais responsabilidade; um compromisso maior, a possibilidade da crítica nem sempre construtiva e imparcial. Escreve-se par ficar escrito, guardado, sem condições de controle por parte do autor. O que é redigido na escola é apenas uma forma de respostas aos ensinamentos do professor, uma medição do aproveitamento passageiro ou definitivo do que foi absorvido pelo aluno. Para muitos, apenas uma simples aprovação de bimestre ou ano letivo.

Pessoalmente, defendo a idéia de que a crônica deve conter verdades objetivas e subjetivas e, se possível, marcar uma realidade no tempo e no espaço, fixar figuras principalmente no plano do sentimento. Dentro das condições intelectuais do cronista, seu trabalho deve ser uma construção lingüística capaz de despertar valores ideais, uma reflexão não só do momentâneo como também do eterno existente dentro de cada leitor. A crônica não deve ser uma trabalho completo, mas, ao contrário, uma estrutura aberta, onde cada um possa acrescentar algo pessoal, seja de conhecimento, seja de amor...