Mais Rua Doutor Santos

Wanderlino Arruda

Comecei a escrever sobra a Rua Doutor Santos a pedido do colega Elton Jackson. A princípio, achei que o assunto não era do interesse da maioria dos leitores, porque, sendo a Doutor Santos uma rua bem comercial, acabou perdendo muito da poesia que poderia ter. Ledo engano, muita gente me telefonou sobre as primeiras crônicas e muitos amigos me disseram, com simpatia, que estavam revivendo agradáveis lembranças, despertando vivas saudades de acontecimentos e de coisas e de pessoas que se passaram. Havia eu falado apenas de um quarteirão e meio, que ia do Bar de Manoel Cândido, na esquina da Praça Doutor Carlos, até o escritório de Orestes Barbosa, na velha casa de Artur Vale, onde funcionava o Cartório de Imóveis e o antigo O Jornal de Montes Claros.

Hoje, lembro-me com ternura de uma pessoa admirável que marcava profundamente a Rua Doutor Santos, em frente ao nosso jornal: José Figueiredo Pinto, dono e animador do único estúdio fotográfico existente no centro da cidade. Pinto era um observador arguto de todos os acontecimentos. Sabia calmamente de tudo, com uma precisão de impor respeito, sempre calmo, interessado em assuntos de cultura, interessadíssimo em cada marca da vida da cidade. Fazendo retratos, tendo as pessoas em frente à sua máquina, deixava-as fixas e sentadas pelo tempo que queria dispor e as observava em cada gesto, em cada tique, em cada sinal de personalidade. E assim, é claro que podia conhecer a vaidade, o nervosismo ou a firmeza de todas as criaturas fotografadas, seja o prefeito Enéas Mineiro de Souza, o vizinho doutor Alpheu de Quadros ou o zeloso funcionário da Câmara, meu amigo Chico Pimenta. Muitos e muitos montes-clarenses pousaram para o seu clique.

Como jovem jornalista, curioso de entender o caráter das pessoas de projeção, gente era notícia, que passava sempre pelas páginas da crônica de A. R. Peixoto ou pelas linhas do comentário político e profissional, eu vivia com emoção cada parecer que José Pinto me apresentava. Creio que ele muito me ajudou, indicando-me caminhos seguros de análise das minhas personagens, mesmo aquelas participantes de simples notícias. É que eu nunca gostei de tratar de pessoas humanas como se fossem objetos e, por isso, precisava de um conselheiro fora das apressadas preocupações da sala de redação.

Assim, o Foto Pinto foi, para mim, uma grande escola de civismo e de psicologia, de história e de política. Eu ficava horas e horas ouvindo, aprendendo enquanto Pinto retocava os negativos de vidro despolido e escuro. Ele manejava diversos tipos de lápis pontudos, finos, preparados com cuidado de mestre. Quando revelava as fotografias, ficava como criança, alegre com os resultados, pois, muitas vezes conseguia fazer gente velha ficar nova, apagando rugas e pés-de-galinha, retirando manchas, afilando narizes e fazendo até zarolhos olhar corretamente de frente. Era uma beleza e até um mundo de sonhos.
Agora, pergunto ao leitor que conheceu de perto o meu velho amigo José Figueiredo Pinto. Não seria ele, durante todo tempo histórico, a verdadeira alma da Rua Doutor Santos?

Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros